Rui Esperança
“Interessante como nos Estados Unidos a universidade não é só um sítio onde se adquire formação académica, mas também um espaço e uma altura da nossa vida para pensarmos verdadeiramente quem queremos ser, o que queremos fazer da nossa vida, e que objectivos temos para atingir. Um verdadeiro lugar de experimentação.
Candidatei-me, não tinha nada a perder, nem contava em ser seleccionado. Lembro-me quando me ligaram com a notícia que tinha sido efectivamente um dos contemplados. Na altura nem me apercebi do tamanho da felicidade, tanto que uns dias depois mandei um e-mail lamentando não ter expressado a gratidão sentida quando me foi entregue a novidade. Mesmo com o passar das semanas, talvez devido a toda a carga de trabalho escolar e a repetição monótona dos dias, fui apenas lentamente caindo em mim e a pensar no sonho que ia poder concretizar. Nesses momentos apetecia beliscar-me, estava incrédulo, “vou para os Estados Unidos” pensava eu como a tentar convencer-me a mim próprio de algo demasiado bom para ser verdade. Todos os preparativos foram uma espécie de prelúdio em crescendo que ia aguçando o meu entusiasmo, e os dois últimos dias, pareciam que nunca mais passavam. No dia anterior da partida, era o “é amanhã” que passava pela cabeça constantemente.
O entrar no aeroporto, o check-in, o entrar no avião, o aterrar… o voo pareceu um par de horas, e quando cheguei ao aeroporto de Newark, lembro-me de pensar como ninguém falaria português comigo naquele momento e naquele local, e como ninguém me conhecia. Um pensamento óbvio mas que me fascinou e entreteu. Lembro-me perfeitamente da pessoa em quem me dirigi em inglês pela primeira vez. A estranheza do momento e a sensação de estar fora da zona de conforto soube a um sentimento de independência delicioso e a uma felicidade interior enorme e verdadeiramente gratificante, especialmente quando sabia que o melhor estava para vir. Nunca mais esquecerei quando cheguei à universidade, todo o tamanho, a beleza, a imponência daquele edifício antiquíssimo… “took my breath away”.
O ambiente era tão diferente: as pessoas, a temperatura, a arquitectura, todo um misto de todas as coisas que simplesmente sabia a novo, a diferente. No primeiro dia, de manhã, houve uma visita guiada pelo campus. Era inacreditável, largos edifícios que eram os dormitórios, ginásio, piscina, uma biblioteca de seis andares, um centro comercial, restaurantes, hotel, vários campos de desporto, um refeitório que era um autêntico bufete de dois andares… era colossal. Havia tudo lá, todos os recursos para aprender, ali mesmo, onde os alunos viviam também, tudo ao alcance. Este conceito de campus americano conhecia-o, claro, mas senti-lo em primeira mão foi inacreditavelmente enriquecedor. É um modelo de vida universitária que permite uma formação contínua, e não só académica como social, esta noção da aprendizagem connosco todos os dias, sempre, foi definitivamente das coisas que mais me marcou. Era como se fosse uma vila de “conhecimento”, por assim dizer. Um clima incrivelmente inspirador e fascinante. As cidades, tanto Washington como Filadélfia, são de uma beleza fenomenal que nem conseguiria começar a descrever.
Foi interessante aperceber-me como nestes momentos, quando estamos num ambiente diferente, todos os aspectos culturais em nós que achamos um dado adquirido revelam-se. Em alguns momentos que me sentia nostálgico de casa ou mais sozinho, punha os fones e ouvia uma mão cheia de fados que me levavam directamente a casa para depois eu voltar. Nestas alturas são essas coisas que temos para mostrar ao mundo como verdadeiramente nosso, e como parte de nós, pertencentes a uma dada cultura. Nos primeiros dias a fotografar muito turisticamente o national mall, queria que a foto tivesse algo de mim, dessa minha cultura mas nunca gostei de me incluir na foto, então tirava o meu pequeno galo de Barcelos do bolso, e punha-o no enquadramento, era a maneira de eu mostrar que era eu, a minha cultura, que estava neste sítio novo.
A diversidade dentro do grupo foi algo também muito importante, pois tinha membros de comunidades e religiões muito diferentes, e posso dizer que aprendi imenso no que toca a conviver com o próximo, a respeitar as diferenças e enriquecer-me com este muito privilegiado contacto em primeira mão com outras culturas. Não era só esse mini-cosmos de multiculturalidade dentro do grupo, a própria escola, os alunos americanos, os alunos de outros programas internacionais a decorrer, havia sempre pessoas novas e diferentes a conhecer e, como sempre, aprender com elas.
O programa estava muito bem estruturado de forma a que não fosse só aulas teóricas dentro do conceito de inovação ou liderança, mas sim uma abordagem complexa que permitia um profundo exercício de introspecção sobre quem somos, o que queremos fazer da nossa vida, quais são as nossas metas e objectivos etc. Os workshops sobre liderança foram fantásticos pois permitiram mesmo uma aprendizagem prática, que me motivou imenso. Todas as aulas, visitas a locais, trabalho comunitário, deu uma perspectiva ampla desse conceito de inovação, num país que prova constantemente ser o mais eficiente nesse aspecto. E não só nessa perspectiva académica mas também social e cultural, pois houve ainda lugar para debates semanais com alunos americanos, onde se discutiram tópicos interessantíssimos cobre cultura e política americana comparativamente com a europeia. Todos os dias eram um mar de conhecimento a adquirir. Interessante como nos Estados Unidos a universidade não é só um sítio onde se adquire formação académica, mas também um espaço e uma altura da nossa vida para pensarmos verdadeiramente quem queremos ser, o que queremos fazer da nossa vida, e que objectivos temos para atingir. Um verdadeiro lugar de experimentação.
O que trago para casa é não só a formação ou as aulas, valiosíssimas, claro, mas também todo o contacto cultural, todo o amadurecimento e aprendizagem como pessoa. Trago uma renovada ambição e noção do que podemos alcançar como comunidade, uma vontade de ser mais activo socialmente e de fazer a diferença. Mas em termos de memórias, de saudades vindouras, é sem dúvida os pequenos momentos e os pequenos pormenores: o fumo a sair das tampas de esgoto de Filadélfia, as casinhas de Georgetown, a Cate Blanchett que vi numa peça no Kennedy Center, um frame do “Gentlemen prefer blondes”, projectado ao ar livre em frente ao capitólio, a festa surpresa nos meus anos, ser seleccionado como um dos representantes do grupo para falar na cerimónia de encerramento, as conversas tardias com pessoas verdadeiramente inspiradoras e com grandes ambições e vontades de aprender, triunfar, e fazer algo da vida delas, esses momentos… Tanto que, na última semana, à medida que via o tempo a escassear, senti-me na necessidade de fazer algo que capturasse esse aprender e conviver de todo o grupo, pelo que fiz um pequeno vídeo de depoimentos dos meus colegas, a tentar retratar este sentimento de união que havia entre nós, que se tornou na minha prenda de despedida.
Foi um programa excepcional que aconselho vivamente qualquer um a participar. Foram sem dúvida foram as cinco semanas com mais aprendizagem da minha vida e espero ter oportunidade de rever estas fantásticas pessoas. Obrigado a todos que tornaram isto possível.”