Ricardo Farinha
“Antes de partir de viagem, recebi um manual com algumas instruções. Este continha a seguinte frase: O Arizona não é só cactos! Efectivamente, e olhando para trás, pouco sabia sobre o Estado do Arizona. Recordava-me vagamente das histórias de banda desenhada, do início da adolescência. Para quem gosta, talvez fosse bom recuar um pouco atrás e recordar Lucky Luke no “Arizona”, “As lendas do Oeste”, entre tantos outros. Era isto. Pouco mais. Não os cactos, mas sim as histórias de índios e cowboys, os westerns.
Associar este Estado ao deserto, às terras áridas, à terra de ninguém, aos cactos e à falta de água peca pela escassez e crueza das palavras. Para além de ser um Estado com uma dimensão incrível (cerca de 12 horas de carro – comprimento – e 6/7 horas de largura), é também um Estado com uma diversidade inimaginável. A norte, é possível encontrar uma das maravilhas do Mundo, o Grand Canyon, bem como belas montanhas e extensas áreas de floresta. Vastos campos verdes e uma temperatura amena, ao contrário da aridez e das elevadíssimas temperaturas a centro e Sul do país.
Phoenix, por exemplo, tem crescido abruptamente nos últimos anos, sendo já uma das maiores cidades em todo o país. É lá que se encontra a vida urbana, o quotidiano citadino com as diversões, diria, globais. É também lá que se assiste ao stress, ao aglomerado de pessoas e ao infindável número de carros. Ao invés, em Flagstaff, cidade a norte do Arizona, encontra-se a calmaria, a tranquilidade e um estilo de vida capaz de conciliar a cidade e o campo. É, sem sombra de dúvida, uma cidade encantadora nesse aspecto. Para além disso, Flagstaff possui uma vista fabulosa para as montanhas sagradas, as San Francisco Peaks. Estes “peaks” não são apenas montanhas como as restantes, visto que abarcam um simbolismo enorme para as tribos de índios que também caracterizam o Estado. É lá que muitos vivem, outros tantos viviam, onde se reúnem para dar graças aos Deuses ou, simplesmente, para se imbuírem no espírito das montanhas e, com isto, estabelecerem uma ponte entre nós, Ser Humano, nós, enquanto indivíduos e a Mother Earth.
A nossa universidade, NAU (Northern Arizona University), situa-se em Flagstaff. Desta forma, e tendo sido o local onde passámos a maior parte do tempo, foi-nos possível descobrir uma América diferente da por nós imaginada. Esta América luta para que salvem as montanhas sagradas, tem uma forte componente de responsabilidade social, demonstra total compreensão da sociedade e do meio que nos envolve sem nunca descurar as necessidades individuais de cada um. Em matérias de ambiente, por exemplo, percebe-se o quão avançados estão e o investimento que tem sido feito em melhorar o que não é sustentável.
A simpatia e a atenção demonstrada (não só pelos Professores e mentores, mas como por todo e qualquer indivíduo desconhecido que nos cumprimentava durante as longas horas de caminhada, por todo e qualquer indivíduo que se interessava na nossa origem e o porquê de ali estarmos) eram uma constante e algo que deixava o grupo radiante. Flagstaff, atravessada pela mítica Route 66, tem um encanto natural, não pela cidade em si, mas pela sua envolvência natural e pelo tipo de pessoas que recebe. Desde nativos americanos que tentam preservar o seu passado histórico-cultural a cowboys já reformados que não se desligam da sua terra, do seu chapéu e das recordações das pradarias típicas de filme.
Este programa, por tudo isto, não pode ser considerado apenas como um Summer Institute on Environmental Stewardship. Na verdade, este é um programa da diversidade, da multiculturalidade, da tolerância, da responsabilidade, da procura e descoberta de valores, do saber mais. A diversidade e a tolerância não estavam agregadas ao programa, pois vinham já com ele. Para além de termos tido a oportunidade de observar entrar em contacto com duas das tribos mais conhecidas no Arizona (Hopi e Navajo) e de termos visitado as suas reservas, éramos, nós enquanto grupo, o sinónimo de multiculturalidade.
Para quem estuda na Europa, como é o meu caso, foi bastante curioso observar as nacionalidades e o percurso de todos os meus colegas outstanding. Todos eles com experiências de vida e áreas de estudo/profissionais muito diferentes, mas também, com passados e heranças culturais muito plurais. A título de exemplo, entre um grupo de 18 pessoas, cerca de metade era imigrante e/ou filho de imigrantes. Dentro destes 9, 7 eram muçulmanos. Portanto, e com um grupo tão heterogéneo, foi-nos possível aprender ainda mais e aprender a respeitar e a tolerar o próximo, independentemente da sua cor, raça ou religião. Ao contrário do que, por exemplo, o cidadão norueguês apregoava após o atentado, a nossa força enquanto grupo era moldada não pela homogeneidade mas sim pela diferença e pelo respeito. A colega norueguesa, nascida na Tanzânia, viria a entrar em pânico devido ao atentado na Noruega, pois conhecia muitas pessoas no local. Felizmente, tudo passou. Bem como o assunto passou por nós, sem o abordarmos muito, pois sabíamos e acreditávamos piamente em como aquele não era o caminho.
Para terminar, gostaria ainda de deixar uma pequena nota quanto às inúmeras viagens por todo o Estado do Arizona, a visita ao Estado do Utah, o passeio de barco no Colorado River e tudo o que aprendemos durante o programa (desde as espécies de vegetação no deserto, ao problema da água no SouthWest, passando pela história dos Mormons e pelas muitas idas aos magníficos National Parks que o país tem).
Deixo-vos também um vídeo utilizado para publicitar a nossa empresa na área do Ecoturismo. Este vídeo, que não é mais do que um compêndio de fotos tiradas na Navajo Reservation e do que um grupo de amigos a cantar a letra de um jingle, contou com a ajuda de vários colegas, pois, essa era a regra dentro do nosso grupo. A entreajuda. Viria a ser apresentado no Departamento de Estado Norte-Americano como forma de promover a nossa empresa na sequência do trabalho elaborado, por cada um dos cinco grupos de trabalho, durante todo o programa.”
(O vídeo encontra-se disponível em baixo em downloads)