Que sentimento, palavra, gesto ou imagem conseguiram, 20 anos depois, captar a dimensão do “dia que mudou o mundo”? Leia o testemunho dos Fulbrighters, um exercício enquadrado no papel que temos enquanto cidadãos em convocar a memória, a consciência e o conhecimento do passado para a trajetória que faremos no futuro.

 

(Fotografias: Catarina Caria, New York, 9/11/2021)

 

«O 11 de setembro de 2001 foi a primeira data histórica que memorizei. Foi a razão pela qual decidi estudar Relações Internacionais e trabalhar em prol da Segurança Internacional e Peacebuilding. Todos os anos, o minuto de silêncio era cumprido, independentemente de onde estivesse. No ano em que se assinala duas décadas do “fim do mundo como o conhecemos” e início da Guerra ao Terror, estive no coração de Nova Iorque, perto daqueles que viram a cidade que nunca dorme em cinzas.

O dia acordou soalheiro, tal como há 20 anos. A caminho do World Trade Center, a herança visual do 11 de setembro inquietava os meus pensamentos. Às 8:46h em ponto, o retumbante som dos sinos silenciou Nova Iorque. Ao meu lado, choravam veteranos, forças policiais e bombeiros que estiveram presentes no dia que mudou o mundo. Comigo fica a certeza de que a memória coletiva dos atentados contra o World Trade Center é de perda e tragédia, mas também de união e força.»   Catarina Caria

 

 

(Fotografia: Cláudia Costa, Pittsburgh, Pennsylvania, 9/11/2021)

 

«Recordo-me bem deste dia… Há 20 anos acordei triste porque a minha avó paterna tinha falecido no dia anterior, que coincidentemente, era o aniversário da minha irmã. Sem dúvida, um período marcante para mim. Neste rol de emoções, assisti em directo ao embate do segundo avião, naquele que seria o acontecimento que mudou o mundo…o 11 de Setembro!

Lembro-me da revolta, do terror e da comoção…mas também da onda de amor e compaixão que cercou o mundo, levando a uma inspiração que perpetua ao longo de gerações, vinda dos heróis deste dia.

Hoje, vivendo este dia nos EUA, revisito todas estas emoções e pensamentos. E penso porque mudou o mundo. Mudou porque a forma de ver a globalização foi amplamente abalada e retraída. A liberdade acaba onde começa a do outro…Penso se o meu eu de 19 anos poderia ter sonhado com a experiência que estou a viver, enquanto via um atentado a este bem precioso que é a liberdade, aos sonhos e à humanidade. O que seria se se sucumbisse totalmente ao medo e eu, como muitos Fulbrighters e as diversas formas de globalização, víssemos esta vivência por detrás de barras aprisionadoras de sonhos. Nada apaga o horrível momento, e as vidas que se perderam, mas muito se aprendeu sobre força humana perante a adversidade e a forma como o mundo escolheu ultrapassar. Posso neste momento usufruir de uma experiência tão enriquecedora como esta, experiência esta que estaria vetada pelos valores que estiveram ao redor deste triste acontecimento. Por tal sou grata e por tal presto homenagem a quem deu a vida neste dia, quem fez deste dia um fulcro, um ponto de viragem, e às pessoas que todos os dias nos inspiram em todo o mundo com as suas histórias de coragem e superação. BEM HAJA!»   Cláudia Costa

 

 

(Fotografia: Laetitia Gaspar: Memorial “Liberty Garden”, Eden Park, Cincinnati, Ohio)

 

«Passaram 20 anos desde o marcado dia 11 de Setembro de 2001. Lembro-me perfeitamente deste dia, como se fosse hoje. Não imaginaria que passadas duas décadas teria a oportunidade de relembrar esta data no próprio país, tão perto. Entre 9 e 11 de Setembro, decorreram vários eventos na cidade de Cincinnati, estado de Ohio, onde me encontro. Estes eventos envolveram cerimónias, testemunhos, visitas a memoriais e caminhadas, com o intuito de relembrar e homenagear aqueles que perderam a vida na tragédia do dia 11 de Setembro de 2001 e os que tanto lutaram para que mais vidas não fossem perdidas. Passados 20 anos, o sentimento de respeito e união invadiu as ruas e as pessoas desta cidade, deste país, e reforçaram a dimensão do “dia que mudou o mundo”. Não esquecerei este dia, nem há 20 anos atrás, nem 20 anos depois.».   Laetitia Gaspar

 

(Fotografia: Raquel Ermida, porta de um tanque de bombeiros do combate às chamas no 9/11, Historical Society of New York )

 

«Depois de vários avanços e recuos quanto à data da minha partida para Nova Iorque (vicissitudes de um mundo a braços com uma pandemia), finalmente se fixara o mês de Julho como data para a grande mudança. As contas eram simples. Os 4 meses em Nova Iorque iam coincidir com duas datas importantes para o país: o 4 de Julho, Dia da Independência e as comemorações dos 20 anos do atentado às Torres Gémeas. Estávamos em Março de 2021. Aqui chegada, uma das primeiras visitas que fiz foi ao 9/11 Memorial. Enquanto seguia viagem e imergia no frenesim do metro nova iorquino, um nervoso miúdo ia pouco a pouco marcando o compasso do meu batimento cardíaco. À saída da estação, e depois de me livrar daquela humidade sufocante, esforçava-me para avivar a memória daquele dia trágico. Voltei a 2001 e aos meus 9 anos de idade. Em Portugal eram perto das 14h quando a torre Norte sofreu o primeiro embate. Da mini-televisão a preto e branco que o meu pai conservava na cozinha como um achado arqueológico dos seus tempos de juventude, assistimos ao embate do segundo avião. Nova Iorque, esse sítio que de tão longe que era parecia um planeta distante, afigurou-se-me então um lugar perigoso, de tal modo que a criança de há 20 anos estaria longe de imaginar que volvido esse tempo, ali estaria, na mesma data.

No sábado passado, Nova Iorque acordou cheia de sol e agitada, como de costume. Aqui todos sentem a diferença do antes e depois “era covid”. “Nova Iorque não é a mesma, nem por sombras”. Bom, se assim é, então para mim Nova Iorque está muito bem como está agora. Os meus roommates antecipavam: “o Outono é a melhor altura do ano, vais ver”. Verdade: com o aproximar do Outono, a vida aqui torna-se doce e serena, como neste fim de semana de Setembro. Depois de umas compras no mercado dos produtores locais que acontece aos sábados no McCarren Park, em Brooklyn, resolvi visitar a Historical Society of New York. Alguns vídeos recordavam as imagens trágicas de há 20 anos atrás. Numa vitrina, entre vários trabalhos de artistas que foram convidados a refletir sobre o mundo pós 11 de Setembro, encontro o trabalho de Chloe Bass, uma artista e professora do programa em Art and Social Practice na CUNY que conheci através do meu supervisor em NY. Por mais anos que passem, o nó na garganta não desaparece. Nem mesmo à noite, na Metropolitan Opera de New York, quando assistia ao Requiem de Verdi em homenagem às vítimas e o coro fazia-nos ouvir em Latim que “o dia da fúria, esse dia, dissolverá o mundo em chamas (…) quão grande será o terror quando o Juiz chegar e tudo esmagar completamente” *. É esta a imagem que prevalece nas nossas memórias. Um terror que se perpetuou ao longo destes últimos 20 anos, em que milhares de vidas foram sendo ceifadas em nome de valores que nem sempre compreendemos e que tão pouco podemos aceitar. O chavão de que o mundo mudou depois dos atentados faz escorrer tinta em todos os jornais. Mas afinal, o que é que aprendemos realmente com o 11 de Setembro?» Raquel Ermida

*tradução livre do libreto a partir da versão inglesa.

 

(Fotografia: Carolina Ruivo, Houston, Texas, 9/11/21)

 

«Naquela tarde de 11 de setembro de 2001 recordo-me de ter pensado “será um filme?” Talvez, para muitos que como eu não tinham regressado às aulas e viam a transmissão dos ataques, a mesma dúvida surgiu. Vinte anos depois pude conversar com quem esteve do outro lado do Atlântico e registar como recordam este dia. “Não era um acidente” foi para muitos a primeira memória que ficou gravada depois de verem o embate do segundo avião contra a torre Sul. Vários recordam-se de ir para casa por acharem que os EUA estavam sob ataque, outros de ficarem na escola a ver as notícias. Houve quem fizesse ‘stockpiling’, porque não sabiam o que esperar. Não foi para ninguém um dia normal.

Seguiram-se dias de choque coletivo. Todos aguardavam ansiosamente por notícias dos resgates dos escombros das torres. Uma colega conta-me que nesses dias não se viam aviões no céu.  Após o choque, descrevem uma onda de patriotismo que se espalhou por todo o país. Não existiam divisões, a América como um todo estava primeiro. Recordam com orgulho a coragem do voo 93 e dos ‘first responders’. Depois vieram as mudanças. Oiço, com surpresa, que antes do 11 de Setembro era possível esperar os passageiros nas portas de embarque dos aeroportos.

Anos mais tarde, aperceberam-se que os danos dos ataques não tinham terminado em 2001. A exposição ao fumo e partículas no ‘ground zero’ tinha deixado sequelas graves na saúde de sobreviventes e ‘first responders’. Doenças respiratórias e cancros tornavam-se cada vez mais frequentes. A luta pelo financiamento de cuidados de saúde a estas vítimas é, ainda hoje, um motivo de união. Foi apenas em 2019 que o Congresso aprovou o prolongamento destes fundos até 2090.

Passaram 20 anos desde o dia que marcou o mundo, continuando a união em torno do 11 de Setembro a ser universal, tanto para quem presenciou de perto como para quem assistiu de longe.» Carolina Ruivo

 

 

(Mary Rauktis, olive picking, Portugal, 2017/18)

 

«My daughter has only really known a post-9/11 world in the United States.  I often think of how different her childhood was because of 9/11, in small but subtle ways.

That morning was a beautiful fall day with blue skies in Pittsburgh,  ac city about a 12 hour drive from NYC, 6 hours to Washington DC and 1.5 hours to Shanksville PA.  I remember watching an old TV in the conference room after our administrative assistant told us that a plane hit the world trade center, and then another, and then the Pentagon…and then finally an hour away from us.  No one knew what to do because Americans have only been attacked on our soil at Pearl Harbor.  This was such a rare event and one none of us going about our lives thought much about–we assumed our country was untouchable. People raced home but I decided that I would keep my daughter in school (she was 5) in order to have a “normal day”. I do remember picking her up and thinking that this day marked the end of how we thought about ourselves as a country.  I have friends who lost family members in the attack. Their life has a before and after in a way that mine does not, yet we have all be impacted by terrorism and the continuing reverberations of terror.  Some of my friends have been treated differently because they are Muslim or their skin is brown, friends have lost sons and daughters to the war in Afghanistan and Iraq, I’ve taught men and women who saw horrors during their time in this “war on terror”.  I believe that in the US we were briefly shaken out of our complacency and more aware of our place in the world.  And the rest of the world joined us in that moment for which I am very grateful.» Mary Rauktis (Fulbright US scholar to Portugal, AY 2017/2018)

 

 

(Fotografia, Cláudia Rei)

 

«Não consigo colocar apenas num parágrafo o que guardei desse dia que vivi em Nova Iorque há 20 anos atrás. Ficam por isso alguns pensamentos.

: nesse dia e durante os primeiros meses a parte sul da ilha ficou envolta em pó que ficou no ar após o desabamento dos prédios. Nas primeiras semanas não se podia passar para sul de determinada rua (primeiro a Canal St., depois ruas mais a sul). E quando já era possível andar por aquela zona ainda havia um cheiro estranho no ar fruto das operações de limpeza que duraram muitos meses.

Descrença: lembro-me de não acreditar que os terríveis acontecimentos que eu acompanhava pela televisão estivessem mesmo a acontecer. Felizmente não cheguei a ir para a NYU nesse dia (deveria ter ido da parte da tarde, mas com o cancelamento dos transportes mudei de planos), mas lembro-me de ao fim da tarde ter saído de casa e caminhado até um local perto de onde se viam ao longe as torres gémeas… de facto não estavam lá. Só se via a imensa nuvem de pó.

Contactos: como me apercebi da situação relativamente cedo (vi na tv em directo o avião embater na segunda torre), lembro-me de ligar para os meus pais em Portugal para lhes dar a notícia do que estava a acontecer. Felizmente puderam saber que eu estava bem (se bem que não fosse essa a minha preocupação inicialmente) bem cedo. Depois o sistema de comunicações falhou e os telefones deixaram de funcionar. Lembro-me de ter colaborado com a Rita e a Paula da Fulbright para localizar colegas também em Nova Iorque (e.g. Lourenço Egreja) cujas familias ainda não tinham conseguido contactar. Felizmente estavam todos bem.

Mailing list: lembro-me de a mailing list dos fulbrighters (de todo o mundo) da área de Nova Iorque se ter tornado num fórum de ajuda onde se ofereciam os sofás da sala para tantos que foram evacuados dos seus apartamentos que ficavam dentro do local vedado (a NYU tinha lá vários dorms). Esta mailing list era geralmente onde se faziam anúncios de eventos, de dicas sobre a cidade, ou de ideas e ideais de cidadãos do mundo com 20 e poucos anos em Nova iorque 🙂

Mudanças: o orgulho ferido dos Americanos atingidos em Nova Iorque mudou a atitude de discutir pontos de vista diferentes especialmente com estrangeiros (como eu). Aprendi rapidamente a guardar para mim os meus pensamentos relativamente aos movimentos de política externa que rapidamente se seguiram. Apesar dos atentados me terem chocado como nada antes me tinha chocado na vida, não pude concordar com a decisão de invadir o Afeganistão (a 6 de OUtubro, dessa data poucos se lembram) sem que houvesse dados claros sobre o envolvimento daquele país nos atentados. Ao expressar a minha visão entre “amigos” fui chamada de terrorista porque se não estava com os Americanos estava contra eles e não merecia ter uma prestigiante bolsa de estudo daquele governo.

Em suma, é assunto que não consigo resumir em apenas um parágrafo. Tendo vivido em Nova Iorque de Agosto de 2000 a Maio de 2002, este é um evento que para mim ainda não está nas páginas do livro de história que me deu a conhecer o melhor e o pior da sociedade Americana.» Cláudia Rei (Bolsa Fulbright para Mestrado, New York University, 2000-2002)

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